George Felipe Dantas e Olavo Mendonça*
Com a Lei do Sistema Único de Segurança Pública — SUSP, que tem como foco a atuação conjunta, coordenada, sistêmica e integrada dos órgãos de segurança pública do país, passaram a ser realizadas ações pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública envolvendo órgãos das diversas esferas políticas com o fito de combater a criminalidade violenta.
O Brasil criou legalmente (lei 13.675 de 2018) o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), com o objetivo de melhorar o enfrentamento das facções criminosas, corrupção e fontes de financiamento da criminalidade, bem como de aprimorar o enfrentamento ao tráfico de armas ilegais, drogas e contrabando. Tudo isso sendo feito, com o SUSP, de maneira sistêmica e integrada vis-à-vis os diversos órgãos do setor e nas diversas esferas políticas (federal, estadual/distrital e municipal). Mais além, um dos objetivos sistêmicos do SUSP é criar uma base de dados nacional e melhorar o compartilhamento dos bancos de dados entre os entes estaduais/distrital e federais. Somem-se a isso outros objetivos acessórios, tais como estabelecer políticas de aparelhamento e treinamento para as forças policiais. É notório perceber a amplitude e ambição desse sistema de 2018 em organizar e, pelo menos nominalmente, impulsionar a gestão de informações, recursos humanos e materiais das corporações policiais.
O objetivo deste pequeno bosquejo sobre o tema é cotejar a iniciativa nacional do SUSP, fazendo um breve paralelo com os sistemas e corporações dos Estados Unidos da América do Norte (EUA) e, de maneira introdutória, estabelecer semelhanças e diferenças nessas estruturas de países tão parecidos (de estrutura política algo semelhante) e ao mesmo tempo tão diferentes, caso de Brasil e EUA. Vale ressaltar a importância do “poder local” no trato da segurança pública norte-americana, razão de ser da existência de mais de 18 mil polícias municipais e de ciclo completo.
Primeiramente, há que entender como a estrutura atual do sistema policial brasileiro se organiza, para só depois então mostrar a contraparte norte-americana, buscando, ao final, criar um paralelo entre eles.
O sistema policial brasileiro tem como base legal o artigo 144 da Constituição Federal de 1988, no qual são enumeradas as corporações de segurança pública e a suas respectivas atribuições.
O modelo histórico brasileiro é oriundo de Portugal, matriz colonial do país, “nação mãe”, além de estruturas e pensamentos predominantemente europeus dos séculos XIX e XX, onde se tem a base de toda a operação de segurança pública alicerçada nos membros estaduais da República Brasileira. Restam assim, para o poder federal, missões específicas da competência do Departamento de Polícia Federal (DPF) e da Polícia Rodoviária Federal (PRF).
O modelo policial brasileiro, estadual e do Distrito Federal se baseia em um sistema não contínuo e não comunicável. Em cada estado (são 26 deles) e no Distrito Federal, existem duas corporações policiais distintas, tanto em missão quanto em organização, no caso as polícias militares e as polícias civis. São 27 polícias militares e 27 polícias civis estaduais, além das duas polícias federais já citadas, uma judiciária e outra ostensiva preventiva de patrulhamento de rodovias federais. O Brasil conta ainda com uma semi-corporação policial federal, semirregulamentada, a Força Nacional de Segurança Pública (FNSP), cujos membros são efetivos dos estados e do Distrito Federal e que servem temporariamente cedidos ao governo federal sob a liderança direta do Ministério da Justiça.
O sistema brasileiro se baseia no princípio de “ciclo partido” de polícia, ou seja, uma corporação, no caso a polícia militar (PM), não pode autuar e investigar os crimes com que se depara no seu dia-a-dia, tendo, obrigatoriamente, que conduzir as partes do flagrante, vítima, autor, testemunhas e objetos, para outra corporação policial, no caso a polícia civil (PC), para que lá se finalize a autuação e depois se façam as diligências e petições necessárias. Com esse desenho, uma polícia não faz a parte repressiva e ostensiva, enquanto a outra não autua e não investiga, criando um modelo único no mundo (só mais dois países adotavam esse modelo, mas um deles, Cabo Verde, mudou recentemente para o modelo de ciclo completo de polícia), que por si só é ineficaz, caro e burocrático, favorecendo a corrupção e a impunidade.
No caso do modelo norte-americano, são mais de 18 mil departamentos de polícia nos municípios, estados, condados e governo federal. Todas essas milhares de polícias fazem o ciclo completo, enquanto que no Brasil nenhuma o faz.
O modelo policial em uso nos EUA se baseia fortemente nas cidades/municípios ou, condados (união de vários municípios) com o objetivo de melhorar a gestão pública e a escassez de recursos. O equivalente no Brasil seriam as antigas comarcas.
Em que pese nos Estados Unidos as forças policiais serem basicamente municipais, os estados tem suas polícias quase militares, chamadas de “troopers” que são responsáveis por rodovias estaduais, policiamento de parte das capitais e outras missões (Como nos municípios de baixa arrecadação). Como existe uma diversidade muito grande de departamentos de polícia no que tange a recursos humanos, materiais e financeiros é comum que o estado regule a formação e a certificação das academias de polícia e dos policiais (Police Officers Standard and Training Commissions – Comissões de padrões e treinamento de policiais). Por exemplo, na Flórida são poucos os municípios que possuem academia de polícia própria, o que obriga o candidato a policial de cidades menores a fazerem a academia de polícia estadual ou serem indicados para cursar em uma das academias de cidades grandes como Miami. Nessa eventualidade, o custo do curso é pago ou pelo candidato ou pela corporação da cidade em que irá servir. Outro ponto interessante a ser comentado é que nos EUA existe a diferenciação de polícias ditas “profissionais” e das “não profissionais”, como os xerifados de cidades muito pequenas, que não são considerados como polícia no sentido pleno do termo. No entanto, tanto os xerifados quanto os departamentos municipais de polícia fazem o ciclo completo e possuem jurisdição territorial, o que facilita muito o trabalho.
Nos Estados Unidos existe desde os anos 80 sistemas gerenciados pelo governo federal que permitem a comunicação e troca de dados entre as forças policiais dos estados, municípios e forças federais, tendo data warehouses organizados e mantidos pelo Federal Bureau of Investigation, por exemplo. Isso advém da tragédia do 11 de setembro de 2001, em parte resultante da falta de comunicação plena entre os órgãos de inteligência federais, estaduais, de condado e municipais, sem esquecer os de infraestrutura critica, caso de instituições financeiras, cibernéticas, e de treinamento de aviadores civis, isso para citar apenas três “organizações críticas” de infraestrutura daquele país.
O SUSP tem por objetivo prático imediato trazer essa nova realidade já vivida nos EUA, permitindo a troca e a consulta de informações por todos os entes federados, estaduais/distrital e municipais.
Nos Estados Unidos, após os atentados de 11 de setembro de 2001, o governo norte-americano implementou vários programas de capacitação, treinamento e equipamento, visando melhorar a capacidade de resposta de todas as polícias norte-americanas, mesmo as menores e com menos recursos. Isso propiciou um acesso inter-agência a tecnologias e técnicas que nunca fizeram parte de grande parte das forças policiais daquele país.
É de se esperar que o SUSP brasileiro atinja os seus objetivos nominais e estratégicos e que levem a uma melhoria qualitativa e quantitativa da operação policial no Brasil.
* George Felipe Dantas é tenente-coronel reformado da Polícia Militar do Distrito Federal, consultor, pesquisador e doutor pela George Washington University, nos Estados Unidos. Olavo Mendonça é major da Polícia Militar do Distrito Federal, especialista em segurança pública e um dos fundadores do Instituto Monte Castelo. Recentemente, ele lançou o livro “A Guerra Civil do Crime no Brasil – Como a impunidade, o consumo e o tráfico de drogas e a inversão de valores mudaram a realidade brasileira”.
Artigo publicado originalmente pelo LABGRC – Laboratorio de Governança, Risco e Conformidade