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Mortalidade Policial – os policiais assassinados no Brasil em 2023



Gabriel de Arruda Castro

Luiz Guilherme Hertel Santiago

Olavo Mendonça

Março de 2024

1. Introdução – Uma longa jornada à frente

Quando o Instituto Monte Castelo lançou a primeira edição do relatório Mortalidade Policial, em 2021, a situação era alarmante — não só porque o número de policiais assassinados era elevado, mas também porque o governo federal nem mesmo mantinha uma base de dados sobre o problema.

O trabalho teve visibilidade na imprensa, em publicações acadêmicas e no Congresso Nacional.

Três anos depois, a situação continua crítica, mas é possível apontar para duas melhorias.

Em primeiro lugar, o Ministério da Justiça lançou uma plataforma que contabiliza o número de policiais assassinados no país. O “Sinesp Validador de Dados Estatísticos” entrou no ar em maio de 2023, atendendo uma resolução de 2021 do Conselho Gestor do Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública (Sinesp).

Em segundo lugar, o número de policiais assassinados caiu 18% entre o relatório de 2021 e o de 2024 (com dados, respectivamente, de 2020 e 2023).


No ano passado, 119 policiais militares, 21 policiais civis e um policial federal foram vítimas de crimes letais (homicídio, latrocínio, lesão corporal seguida de morte). Ao todo, foram 141 mortes.

Além disso, nove policiais penais (anteriormente conhecidos como agentes penitenciários) foram vítimas de crimes letais em 2023.

São heróis e heroínas João Paulo Fernandes Batista, de 43 anos, assassinado em Santa Maria da Vitória (BA) enquanto participava das buscas pelos criminosos que haviam matado outro policial militar: Elias Souza de França, de 29 anos. 

Apesar da queda, o Brasil continua perdendo um número excessivo de policiais ano a ano. É preciso fazer mais para tornar a sociedade mais segura e reconhecer o sacrifício dos homens e mulheres de farda.

2. Os números de outros países

A compilação de dados sobre o número de policiais assassinados em outros países é uma tarefa complexa. Regimes autoritários não costumam divulgar essas informações de forma consistente. Em boa parte dos países desenvolvidos, os assassinatos e policiais são tão raros que os casos não são sistematicamente organizados.

Para efeitos de comparação, o Instituto Monte Castelo reuniu informações sobre outros 14 países. A tabela mostra que, no Brasil, as mortes de policiais são mais comuns do que países como Chile e Estados Unidos, embora os índices sejam menores do que os de México de Colômbia.

El Salvador, em especial, merece destaque: colocar criminosos na cadeia transformou a pequena nação da América Central na mais segura das Américas (ao lado do Canadá). A queda se refletiu também no número de policiais mortos, que se aproximou de zero. A lição é clara: é possível reduzir o poder do crime organizado quando o Estado está disposto a tomar medidas drásticas.

País
Policiais mortos
Policiais mortos por 1.000.000 habitantes
México (2022) 
403
3,10
Índia (setembro de 2022 a agosto de 2023)
188
0,13
Colômbia (2021)
148
2,87
Brasil (2023)
141
0,69
África do Sul (abril de 2022 a março de 2023)
93
1,57
Estados Unidos (2023)
60
0,18
Equador (2022
28
1,57
Bolívia (maio de 2022 a abril de 2023)
8
0,66
Canadá (2023)
5
0,13
Chile (2022)
3
0,15
El Salvador (2023)
1
0,16
Portugal (2022)
1
0,1
Nova Zelândia (2023)
0
0
França (2023)
0
0


3. Os dados de 2023 no Brasil

Mais uma vez, o Rio de Janeiro ocupou o primeiro lugar no número de policiais assassinados: foram 34 policiais militares e 2 policiais civis. O Estado registrou aumento de 9,7% em comparação com 2022, quando 31 policiais haviam sido mortos em municípios fluminenses. Em seguida, estão São Paulo (25 policiais assassinados), Pará (16), Pernambuco (12), Bahia (9) e Ceará (9).


Quando se leva em conta o número de mortes em relação ao tamanho do efetivo policial, o Pará aparece no topo da lista. Para cada 1.000 policiais civis e militares da ativa no Estado, 0,8 foi assassinado em 2023. Rio de Janeiro (0,71), Pernambuco (0,57), Amazonas (0,51) e Ceará (0,38) também estão entre os cinco estados com maior índice.

Oito unidades da federação não registraram mortes de policiais civis ou militares em 2023: Acre, Amapá, Distrito Federal, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Roraima e Tocantins.

Veja a tabela completa abaixo.

UFMORTES - POLÍCIA CIVILMORTES - POLÍCIA MILITARMORTES - POLÍCIA CIVIL + POLÍCIA MILITARMORTES - POLICIAIS E CIVIS (PARA CADA 1.000 POLICIAIS)
Acre (AC)0000
Alagoas (AL)0110,11
Amapá (AP)0000
Amazonas (AM)0550,51
Bahia (BA)0990,26
Ceará (CE)5490,38
Distrito Federal (DF)0000
Espírito Santo (ES)0000
Goiás (GO)0000
Maranhão (MA)0330,24
Mato Grosso (MT)0330,31
Mato Grosso do Sul (MS)0000
Minas Gerais (MG)0110,02
Pará (PA)214160,8
Paraíba (PB)1120,18
Paraná (PR)0220,10
Pernambuco (PE)210120,57
Piauí (PI)1120,28
Rio de Janeiro (RJ)234360,71
Rio Grande do Norte (RN)0330,3
Rio Grande do Sul (RS)1560,27
Rondônia (RO)0330,47
Roraima (RR)0000
Santa Catarina (SC)0110,7
São Paulo (SP)718250,25
Sergipe (SE)0110,14
Tocantins (TO)0000


4. Metodologia

A Equipe do Instituto Monte Castelo usa a Lei de Acesso à Informação para solicitar o número de policiais civis, militares, federais e rodoviários federais assassinados durante o ano de 2023. Os pedidos são direcionados a cada uma das 27 unidades da federação, além dos comandos das polícias sob gestão federal. Na solicitação, especificamos que os crimes passionais (como disputas conjugais ou envolvendo acidentes de trânsito) devem ser desconsiderados.

Quando o Estado se recusa a fornecer os dados, utilizamos os dados do Sinesp, que são checados com dados publicados no noticiário.

5. Recomendações

O número excessivo de policiais assassinados no Brasil é um reflexo de problemas mais profundos na segurança pública brasileira. Reduzir o índice de mortalidade dos agentes de segurança exige uma estratégia consistente e passa por mudanças na legislação. Veja o que o Estado pode fazer para proteger os policiais — e, consequentemente, a população.

  1. Contratar mais policiais. Segundo o Sinesp, o Brasil tinha em 2022 27.655 menos policiais militares do que em 2016.

    O número de policiais militares cresceu 0,58% entre 2021 e 2022 e passou de 395.188 a 397.488 (aumento de 2.300), mas continua 6,5% abaixo do que era em 2016 (425.143).

    Algo parecido ocorreu com o número de policiais civis: em 2022, o país ganhou 1017 policiais civis, um aumento de 1%. Mas o total ainda é 12,9% menor que o de 2016. Naquele ano, o país tinha 114.320 policiais civis. Em 2022, eram 99.475.

    As autoridades estaduais e federais precisam aumentar o poder de fogo das polícias, e isso passa pela contratação de mais policiais. Uma polícia bem equipada e bem treinada é o primeiro passo para reduzir a criminalidade.
  2. Estabelecer o ciclo policial completo. Hoje, as polícias civil e militar têm atribuições separadas; apenas os policiais civis podem conduzir atividades investigativas e indiciar criminosos. Isso causa gargalos, aumenta o tempo de investigação e gera desperdício de recursos. Além disso, muitos municípios brasileiros não possuem delegacias.

    Permitir que a Polícia Militar realize o ciclo completo, como acontece em outros países, aumentaria a eficácia do combate ao crime.
  3. Endurecer as penas para criminosos reincidentes. O pacote anticrime aprovado pelo Congresso em 2019 aumentou o tempo mínimo a ser cumprido em regime fechado em casos de crimes graves. Mas ainda é pouco: criminosos reincidentes são responsáveis por uma proporção elevada das ocorrências. Mantê-los presos por mais tempo teria um efeito imediato sobre a criminalidade.
  4. Apertar o cerco contra o consumo e o tráfico de drogas. A equação é simples: quando maior o consumo, maior o faturamento dos traficantes. Quanto maior o faturamento dos traficantes, mais poder de fogo eles têm para adquirir armamento e financiar outras atividades criminosas, inclusive em parceria com grupos estrangeiros. O estado americano do Oregon, que descriminalizou as drogas, decidiu voltar atrás depois de ver a criminalidade e a dependência química aumentarem significativamente. O Brasil deve ser rigoroso com os traficantes e seus clientes.
  5. Abandonar a ideia de desencarceramento em massa. O criminoso não é uma vítima. O Judiciário brasileiro, por vezes contrariando o que diz a lei, tem flertado perigosamente com ideologias que buscam reduzir o número de criminosos na cadeia. Mas o Brasil precisa prender mais, e não menos. A função primordialdo Judiciário é proteger a vida e o patrimônio dos cidadãos.
  6. Melhorar a coleta de dados sobre policiais assassinados. Apesar dos avanços recentes, ainda há fragilidades no registro de informações sobre policiais assassinados. Em Santa Catarina, por exemplo, os números fornecidos por meio da Lei de Acesso à Informação apresentam discrepância com os dados informados ao Sinesp. Outros estados, como Goiás, se recusam a fornecer os dados por meio da Lei de Acesso à Informação. Além disso, nem sempre fica claro se os policias assassinados foram vítimas de crimes passionais (não relacionados à profissão) ou se porventura estavam envolvidos em atividades ilícitas no momento em que foram mortos.

    É preciso aumentar o grau de detalhamento desses dados para permitir que as autoridades desenvolvam soluções mais adequadas.

6. Sobre o Instituto Monte Castelo

O Instituto Monte Castelo é um centro independente de pesquisa em políticas e legislação pautado pela defesa da vida, da liberdade e da responsabilidade. Com sede em Brasília, nosso instituto foi fundado em julho de 2017, e tem a independência como princípio inegociável. O Instituto Monte Castelo não recebe recursos de governos ou de partidos políticos.

7. Perguntas rápidas

Quantos policiais foram assassinados no Brasil em 2023?

Ao todo, 138 policiais da ativa foram assassinados em 2023: 116 policiais militares, 21 policiais civis e um policial federal. Além disso, nove policiais penais (anteriormente conhecidos como agentes penitenciários) mortos em 2023.

Qual é o estado brasileiro com mais mortes de policiais?

Em números absolutos, o Rio de Janeiro: 36 policiais civis e militares foram assassinados no estado em 2023. Quando se leva em conta o tamanho do efetivo, entretanto, o Pará passa para o topo da lista. O índice é de 0,8 morte para cada 1.000 policiais da ativa.

Quais é o país com mais mortes de policiais?

Embora seja difícil afirmar com certeza por causa da falta de dados, é provável que o México seja o país com mais policiais assassinados. Em 2022, 403 policiais mexicanos foram mortos. Isso equivale a uma taxa de 3,1 policiais mortos para cada 1 milhão de habitantes. No Brasil, em 2023, a taxa foi de 0,68. África do Sul, Colômbia e Equador também possuem índices mais elevados que o Brasil (veja a tabela completa no item 3 desta publicação).