Em setembro de 2022, o Brasil comemorou o bicentenário da Independência. Manter viva a história de uma nação é sempre uma atividade de grande relevo, principalmente quando se trata de uma data de tamanho valor político, histórico e cultural. Neste contexto, impossível não destacar o papel exercido pelo homem que passou a ser conhecido como o um dos pais fundadores desta nação: José Bonifácio. Conhecer sobre sua trajetória, bem como suas ideias para a construção de uma grande civilização, é fundamental para analisarmos de forma crítica o caminho percorrido ao longo destes dois séculos. Reavivar essa herança, além de ser um ato de se aprofundar nas próprias origens, pode ser uma ação norteadora dos direcionamentos históricos.
José Bonifácio de Andrada e Silva, naturalista, jurista, poeta e estadista, ficou conhecido como Patriarca da Independência do Brasil. Ele nasceu na cidade de Santos em 13 de junho de 1763, filho do Bonifácio José Ribeiro de Andrada, comerciante e membro de tradicional família paulista. José Bonifácio concluiu seus estudos básicos aos 14 anos de idade em sua cidade, sendo posteriormente enviado a São Paulo para estudar francês, lógica, retórica, metafísica, com o Bispo Manuel da Ressureição. Mudou-se para o Rio de Janeiro, onde permaneceu por pouco tempo. Em 30 de outubro de 1783, aos 20 anos, foi enviado para Portugal para realizar seus estudos na Universidade de Coimbra. Lá, graduou-se em Direito e Filosofia Natural, reconhecido como estudante destacado.
Na última década do século XVIII, Bonifácio foi convidado pela Coroa Portuguesa a percorrer a Europa para ampliar seus conhecimentos acerca da mineralogia, perpassando países como França, Áustria, Alemanha, Itália, Suécia e Noruega e tendo realizado diversos estudos descrevendo doze novos minerais na região da Escandinávia. Durante o período, ele teve contato com grandes intelectuais da época como Lavoisier, Alessandro Volta e Alexander von Humboldt. No ano de 1800, ele retornou a Portugal , foi nomeado Intendente Geral das Minas e condecorado com o título de Doutor em Filosofia Natural. Também neste período, conheceu Narcisa Emília O’Leary, moça de origem irlandesa, com quem se casou e criou três filhas.
Com a ascensão de Napoleão Bonaparte, iniciou-se um período de guerra na Península Ibérica, com as tropas francesas chegando a Lisboa em novembro de 1807. A Coroa de Portuguesa, representada pelo regente D. João, decidiu transferir a administração do reino para a cidade do Rio de Janeiro, levando consigo boa parte de seus burocratas e assessores. Apesar disso, José Bonifácio, que já dispunha de grande prestígio acadêmico, optou por permanecer em Portugal, estando à frente de um movimento de libertação, chegando, por sua bravura em combate, ao posto de tenente-coronel. Após o encerramento da guerra, Bonifácio assume o posto de intendente de polícia na cidade do Porto. No ano de 1819, aos 56 anos, decide retornar ao Brasil, junto a sua esposa e filhas.
Instalando-se em sua cidade natal no litoral paulista, Bonifácio recusou um primeiro convite para exercer o cargo auxiliar de primeiro ministro no Rio de Janeiro. Em vez disso, dedicou-se ao estudo da mineralogia na província de São Paulo, tendo publicado obra a partir dessa pesquisa. Todavia, suas convicções pessoais o inclinavam à defesa institucional dos interesses do Brasil e os primeiros passos na participação política institucional começaram a ser dados, aceitando o convite de ser o vice-Presidente da Província de São Paulo.
Com a Revolução do Porto ocorrida em 1820, as Cortes de Lisboa intimaram D. João VI, Imperador do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, a retornar ao país europeu; determinação que, caso não fosse acatada, colocaria em risco as prerrogativas da Família Real. D. João VI retornou a Portugal, deixando seu filho D. Pedro como Príncipe Regente do Brasil. Além disso, as Cortes se posicionaram contra as medidas adotadas por D. João VI que beneficiaram o Brasil, como a abertura do comércio com outras nações e a garantia de status de Reino Unido, juntamente com Portugal e Algarves. Na prática, a elite econômica portuguesa estava insatisfeita por não ter mais o monopólio das transações dos produtos brasileiros e desejavam rebaixar o Brasil novamente uma mera colônia.
Em resposta a esse movimento, Bonifácio, juntamente com seu irmão Antônio Carlos de Andrada e outras lideranças do governo paulista, emitiram um documento chamado “Lembranças e Apontamentos do Governo Provisório da Província de São Paulo”. Os destinarários eram os parlamentares brasileiros que estavam atuando nas Cortes em Lisboa. Neste registro, que inclusive teve a chancela do Príncipe Regente do Brasil, eles defenderam a integridade e a indivisibilidade do território nacional; a igualdade de direitos políticos e civis entre brasileiros e portugueses; a determinação de uma sede para a monarquia; aelaboração de uma lei orgânica que não dificultasse a prática do comércio; a convocação uma assembleia constituinte; a separação de três poderes independentes; a mesma quantidade de representantes para Portugal e os reinos ultramarinos no parlamento; um governo Executivo geral para o Reino do Brasil; o auxílio aos povos indígenas no processo de inserção social; a emancipação dos escravos, transformando-os em cidadãos; a construção em todas as cidades escolas com o ensino básico e em cada província colégios que ensinem ciências; a criação de uma universidade, que poderia ser preferencialmente na Província de São Paulo; a construção de uma cidade no interior do Brasil para assentar a Corte, garantindo a segurança desta e também favorecendo a agricultura e o comércio interno; e a realização de uma reforma agrária que alterasse o sistema de sesmarias.
A reação das Cortes ao posicionamento dos representantes brasileiros, todavia, não foi positiva. Na primeira semana de dezembro de 1821, chegam ao Rio de Janeiro os decretos que ordenavam o retorno do Príncipe Regente à Portugal, aumentando ainda mais, no Brasil, o sentimento de insatisfação em relação ao parlamento português, principalmente nas províncias de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. No dia 24 desse mesmo mês foi emitido o Manifesto Paulista, cuja autoria é atribuída a José Bonifácio, que solicita que D. Pedro não cumpra as ordens emitidas e permaneça no Brasil. Então, em 9 de janeiro de 1822, o herdeiro da Família Real no Brasil lançou o histórico brado de que não acataria àquela determinação.
A chegada de José Bonifácio ao Rio de Janeiro foi esperada com entusiasmo, pois a influência do intelectual santista já perpassava por todas as províncias. Logo, ao chegar, ele foi nomeado Ministro dos Negócios do Brasil, tornando-se o primeiro brasileiro a ser nomeado ministro de estado por um governante português. Com a carência de representantes das diversas regiões do Brasil, D. Pedro criou, em 16 de fevereiro, o Conselho dos Procuradores das Províncias, criando uma entidade representativa que atuaria para defender e integrar os interesses das províncias, em um momento em que ainda não havia um poder legislativo nacional constituído.
No dia primeiro de agosto de 1822, por meio de decreto, D. Pedro afirmou que seriam declaradas inimigas as tropas de Portugal enviadas ao Brasil. E neste mesmo mês seriam emitidos dois manifestos que foram bastante difundidos, o de Joaquim Gonçalves Ledo, dirigido aos brasileiros, reconhecendo a legitimidade da Coroa Portuguesa e defendendo a unidade do Brasil e o de José Bonifácio, direcionado às nações amigas, enfatizando que as medidas adotadas pelo Príncipe Regente visavam garantir a independência política, mantendo um epicentro de poder entre as províncias, preservando as relações diplomáticas e de comércio com as demais nações.
As Cortes de Lisboa enviaram ministros para o Rio de Janeiro carregando a mensagem de que o Príncipe Regente estaria reduzido a um simples delegado temporário nas províncias de sua atuação. Como resultado, D. Pedro que estava em viagem na Província de São Paulo, declarou no dia 7 de setembro a Independência do Brasil.
Por meio de decreto, Bonifácio descreveu as armas do Estado recém-independente, bem como a nova bandeira do Brasil, que passava a ostentar o verde que representava a casa real de Bragança – da qual fazia parte o agora Imperador D. Pedro I – e o amarelo que representava a casa real dos Habsburgo, da qual fazia parte a Imperatriz D. Leopoldina.
Como primeiro ministro da nova nação, Bonifácio permaneceu no governo até julho de 1823 e travou fortes embates com as elites escravagistas, culminando em conflitos com D. Pedro I. Posteriormente, foi preso e depois enviado para exílio forçado em Bordéus, na França, onde passaria um total de seis anos. Nesse período, foi eleito como representante baiano na Câmara dos Deputados em três ocasiões, embora nas duas primeiras tenah sido impedido de assumir a legislatura.
Ao retornar para o Brasil, em 1829, Bonifácio passou a residir na Ilha de Paquetá, na Baia de Guanabara. Dois anos depois, D. Pedro I abdicou do trono e nomeou José Bonifácio como tutor de seu e herdeiro do trono, D. Pedro II, então com cinco anos de idade. Neste período, José Bonifácio selecionaria todos os educadores do futuro imperador, lançando as bases da formação do chefe de Estado mais eruditos que o Brasil viria a conhecer. Entretanto, após 1833, Bonifácio se retirou da vida política e dos cargos públicos, entrando em um período de isolamento. No dia 6 de abril de 1838, aos 75 anos, ele faleceu.
Ao analisar a trajetóriade Bonifácio, é possível observar com bastante clareza o seu apreço por suas convicções e pelo trato da coisa pública com abnegação. Ele combateu o expansionismo napoleônico, o despotismo das Cortes Portuguesas e os interesses equivocados da nova elite nacional. Apesar de não ter obtido sucesso, à época, em avançar em uma séria inserção dos povos indígenas e negros na sociedade, ou mesmo em alavancar em um projeto econômico, educacional e tecnológico moderno, como desejava, sem dúvida alguma suas lutas marcaram definitivamente muito do desenvolvimento que ocorreria posteriormente, e servem de inspiração para os que devem vir. Como uma nação jovem, o Brasil tem no patriarca de sua independência um grande referencial para todas as gerações subsequentes; um norte a ser buscado. O resgate dessa memória é primordial para compreendermos a origem desta nação e perseverarmos em busca do desenvolvimento social, político e institucional.