Uma geração inteira de brasileiros cresceu ouvindo relatos assustadores, e alguns bizarros, da censura durante o regime militar. Durante muitos anos, cada grande jornal tinha dentro da redação um censor, que lia o material elaborado antes que a edição fosse para as máquinas. Volta e meia, ele exigia que os jornalistas removessem alguma reportagem. Algo semelhante acontecia com livros, peças de teatro e filmes.
Mas essa censura à moda antiga era falha porque dependia do juízo de um único censor, que nem sempre era a pessoa mais atenta do mundo. Volta e meia, algo lhe escapava aos olhos. Hoje, outro tipo de censura, a do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), é inescapável e desavergonhada – o tribunal parece se orgulhar dela.
Há poucos dias, o TSE determinou que parlamentares e blogueiros retirassem do ar publicações a respeito da possível ligação do PCC com o Partido dos Trabalhadores. As menções ao tema foram tratadas pelo ministro Alexandre de Moraes como “fato sabidamente inverídico”. A decisão atingiu, além de blogs e canais no YouTube, o senador Flávio Bolsonaro e os deputados Otoni de Paula, Hélio Lopes e Carla Zambelli.
Em sua decisão, o ministro Alexandre de Moraes afirmou que “a atuação da Justiça Eleitoral deve coibir práticas abusivas ou divulgação de notícias falsas, de modo a proteger o regime democrático, a integridade das Instituições e a honra dos candidatos”. Ele também fez uso de exclamações: “Liberdade de expressão não é Liberdade de destruição da Democracia, das Instituições e da dignidade e honra alheias! Liberdade de expressão não é Liberdade de propagação de discursos mentirosos, agressivos, de ódio e preconceituosos!” Mas o ministro se eximiu de explicar o mais importante: como é possível dizer que as afirmações sobre a ligação entre o PCC e o PT são falsas?
Acontece que o tema não surgiu do nada: o assunto ganhou espaço nas redes sociais depois de a revista VEJA publicar um vídeo em que o publicitário Marcos Valério, operador do mensalão, trata da ligação entre o grupo criminoso e o partido político. O vídeo mostra um depoimento dado por Valério à Polícia Federal.
No ano passado, o Congresso aprovou uma medida que trata como crime eleitoral o ato de divulgar “fatos que sabe inverídicos em relação a partidos ou a candidatos”. Se fatos “sabidamente inverídicos” incluem até mesmo um depoimento gravado em vídeo, diante de um delegado da Polícia Federal, e divulgado por um veículo de imprensa dos mais tradicionais, nada está a salvo do crivo do TSE (curiosamente, a própria revista VEJA, a fonte do vídeo de Marcos Valério, foi poupada da censura).
Tudo leva a crer que este foi só o começo de uma série de abusos que serão praticados pelo TSE até o fim do período eleitoral. Em nome da democracia, o tribunal está fragilizando a própria democracia. E isso não deve mudar até que o Legislativo cumpra o seu papel para impedir que o TSE se comporte como Ministério da Verdade. Talvez não por acaso, o Código Eleitoral usado pelo TSE data de 1965, quando o regime militar estava em seu início. De lá para cá, o poder da censura parece ter apenas mudado de mão.