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O sequestro ideológico do Judiciário brasileiro: “A ideia é furar a sua jugular”

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O Judiciário brasileiro abraçou de vez as pautas de sexualidade e identidade de gênero. Nos últimos meses, vários tribunais realizarem treinamentos e seminários destinados a promover a “diversidade”.

São eventos com dados infundados, muita carga política e zero espaço para perspectivas diferentes. Todos parecem se basear da premissa de que o Brasil é “estruturalmente” preconceituoso, e que o Judiciário é protagonista no combate a essa estrutura. 

Nesses eventos, a legislação fica em segundo plano — talvez porque a Constituição, o Código Penal e a legislação trabalhista não mencionem identidade de gênero ou orientação sexual. 


Um dos tribunais empenhados na promoção dessas pautas é o TRT 15 (Tribunal Regional do Trabalho da 15ª região, com sede em Campinas).

Em junho deste ano, o tribunal realizou o seminário “Direitos humanos e a diversidade sexual”. O evento foi uma iniciativa do Subcomitê de Equidade do Tribunal.

Tolerância zero com piadas

O seminário do TRT 15 começa com dois funcionários entoando “Paula e Bebeto”, de Milton Nascimento, a voz e violão.

Vencida a etapa artística, o presidente do tribunal, Samuel Hugo Lima, usa a palavra. Ele tem dificuldades em fazer a sua autodescrição (que busca incluir as pessoas com deficiência visual e se tornou obrigatória em eventos do tipo). “Homem é complicado até para se descrever. É tão distraído que nem se conhece no espelho”, diz ele, antes de continuar: “Tenho 67 anos, totalmente calvo, um cavanhaque branco, tentando contrapor a calvície, estou usando paletó azul, camisa branca e uma gravata colorida”. 

Nesse quesito, o desembargador Luiz Filipe Bruno Lobo é menos tímido: “Sexagenário caucasiano, de cabelos e cavanhaque brancos, olhos cor de oliva, 1 metro e 87, 105 quilos”.

O desembargador Lima tem queixas a fazer. “Toda vez que vou para eventos em Brasília, eu tenho que ouvir piadinha: olha, lá vem o presidente do tribunal de Campinas, re-re-re-re”. Ele também relata que ouviu uma piada sobre o lenço colorido e as gravatas floridas que usa no dia. Isso é inadmissível, diz Lima, que está decidido: “Não podemos permitir qualquer piadinha, qualquer olhar que possa colocar em xeque esse tema”.

Lima assegura: “Esse tema da diversidade sexual o tribunal tem enfrentado nos seus processos, e tem coibido com frequência toda afronta a esse tema”, diz o desembargador, genericamente. 

A desembargadora Eleonora Bordini Coca, que coordena o “Subcomitê de Equidade e Combate à Discriminação”, se preocupa em incluir “todes” em seus cumprimentos. Ela usa dados pouco fundamentados para enfatizar a importância do evento. “O Brasil é o país que mais mata pessoas trans no mundo. Também é o país que mais consome pornografia trans no mundo. Há algo, portanto, de muito errado por aqui”, diz. 

Eleonora não tem está contente com a sociedade brasileira. “A nossa sociedade estruturalmente é homofóbica, é machista, é racista, é capacitista”, ela diz. 

A estatística sobre o número de transexuais mortos no Brasil é pouco fundamentada porque mistura crimes comuns com casos motivados por preconceito. Além disso, não há dados sobre o número de transexuais assassinados nos países mais hostis a esse público.

Eleonora concorda com o presidente do tribunal quanto à importância de coibir piadas. “Nós não vamos mudar a realidade se ficarmos no mesmo lugar tolerando gracinhas e convivendo com ofensas”, ela diz.

Michel Foucault: presente

Um dos convidados do evento no TRT 15 foi Lawrence Estivalet de Mello, professor da UFBA (Universidade Federal da Bahia).

Do momento em que começou sua fala até a primeira citação ao autor pós-moderno Michel Foucault, passaram dois minutos e meio. Mais um minuto, ele fala em movimento “cis-heterosexista”. Mello repete que o Brasil é o país que mais mata “pessoas LGBT” no mundo. Os brasileiros são “campeões de LGBTfobia”, ele diz.

O professor menciona uma lista sem fim de autores acadêmicos. Ele explica a relação entre o “neoliberalismo contemporâneo” e o “neoconservadorismo”. 

Mello lamenta que “nós não temos garantido o nome social para crianças e adolescentes LGBT nas escolas”. A regra atual é que essa mudança só pode ser feita aos 18 anos, ou 16 se houver autorização dos pais. “Não é possível que nós entendamos que crianças e adolescentes não têm direito à livre expressão da sua identidade sexual”, ele reclama.

O professor critica uma decisão da Suprema Corte americana segundo a qual donos de uma empresa que realiza casamentos têm o direito de não fazer cerimônias entre pessoas do mesmo sexo. E diz que o STF faz bem ao refutar “a possibilidade de que a esfera familiar e que a liberdade de expressão venham restringir direitos sexuais”.

A palestra de Mello entusiasma a desembargadora Eleonora: “Uma aula maravilhosa”, ela aplaude.

Cartilha do TRT 15 veta “feito nas coxas”

O seminário pela diversidade não foi a única iniciativa recente do TRT 15 nesse campo. O tribunal também lançou uma Cartilha de Linguagem Inclusiva.

O texto ensina, dentre outras coisas, que usar o “masculino genérico” (como em “advogados”, “bombeiros” ou “faxineiros”) é inadequado. “Evite usar o masculino genérico. Deve-se utilizar a designação distintiva do gênero ou uma linguagem neutra”, ensina o manual.

Dentre as expressões não recomendadas para se referir a alguém negro, estão “morena” e “mulata”. “Lista negra”, “magia negra”, mercado negro”, “ovelha negra”, tampouco devem ser usados. “Feito nas coxas”, sabe-se lá por que, também não. “Beleza exótica”? Nada disso. “Use só beleza”, diz a cartilha. Não diga “esclarecer”, diga “elucidar”. Troque o “ficou claro” por “ficou nítido”, instrui a cartilha.

No Rio de Janeiro, saudação a “todxs”

Também em junho, a Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (Emerj) realizou um evento parecido: o seu seminário “Tornando a Diversidade Visível”.

O encontro foi aberto com um vídeo no qual o Brasil é descrito como “o país mais homotransfóbico do mundo” — o que, se fosse verdade, representaria um feito e tanto num planeta com Irã, Arábia Saudita e Afeganistão.

Em sua participação, a desembargadora Cristina Gaulia lançou uma saudação inclusiva: “Bom dia a todos, todas e tôdecs” (escreve-se todxs).

Ela exaltou a inclusão da “pauta de antidiscriminação” no “processo de capacitação dos magistrados”. O Brasil, afirmou a juíza, é uma “sociedade racista, preconceituosa” e que “interpreta mal, às vezes, dogmas religiosos”. 

A função da Emerj é “formar” e “aperfeiçoar” magistrados.

Mais juízes racistas: motivo para comemorar

A lógica do progressismo radical parece confusa aos não iniciados. Por exemplo: no evento da Emerj, a desembargadora Maria Aglaé Tedesco anunciou, orgulhosa, que o número de juízes que se consideram racistas aumentou nos últimos anos. Para ela, isso é um avanço.

Ela contou do dia em que deu uma aula a juízes recém-aprovados em concurso e resolveu perguntar quais deles se consideravam preconceituosos.

“‘Quem aqui se considera racista?’ Mais da metade levantou a mão. ‘Quem aqui se considera capacitista?’ Outros tantos levantaram a mão. ‘Quem aqui se considera homofóbico?’ Mais outros tantos levantaram a mão”, recordou a juíza. Ela descreveu a sua reação à confissão: “Que bom. Estamos evoluindo. Porque turmas anteriores sequer se reconheciam como discriminatórias”.

O perigo nazista no Brasil

O evento da Emerj prossegue. Agora o desembargador federal Roger Raupp Rios, do Tribunal Federal da Tribunal Federal da 4ª Região, alerta para os “obscurantismos” e a “glorificação do patriarcado”. “Não à toa tudo isso pode ser sintetizado na emergência dos neo-nazismos entre nós”, adverte ele, que enxerga uma ascensão do nazismo no território brasileiro.

Rios diz que, para os extremistas, “a liberdade religiosa se torna a oportunidade de intolerância religiosa” e “a liberdade de opinião se tornam os veículos da ofensa, da humilhação, da destruição da vida dos indivíduos e dos grupos”.

A discussão no evento da Emerj resvalou em outros temas. A desembargadora Adriana Ramos de Mello se demonstrou assustada com a possibilidade de restrições ao aborto.

“Está tento tanto retrocesso em relação aos direitos das mulheres (…). A gente tem que ficar vigilante para não ter nenhum tipo de processo”, disse ela, citando o PL 1904/2024, que pretende banir o aborto depois da 22ª semana de gestação.

Adriana também pediu votos a candidatos progressistas nas eleições municipais. “Que a gente saiba em quem a gente vai votar. Quem são as pessoas candidatas à prefeitura, à vereança, que têm nas suas propostas políticas a contemplação desses direitos em relação à população LGBTQIA+”, pregou.

Quem quiser aprender sobre o tema pode procurar a nova cartilha antidiscriminação da Emerj. O documento ensina, por exemplo, o que é “Gênero Fluído” (sic): “Quando a identidade de gênero transita entre um ou mais gêneros no decorrer do tempo”.

“A ideia é furar sua jugular”

O Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região, com sede em Goiânia, também realizou em junho o seu seminário de diversidade.

O presidente do tribunal, desembargador Geraldo Rodrigues do Nascimento, fez o discurso de abertura, no qual citou o cantor Beto Guedes: “O discurso da prática já sabemos de cor, mas a prática do discurso ainda nos resta aprender”, repetiu Nascimento, tropeçando nas palavras — talvez porque não tenha escrito o discurso.

O subprocurador-geral do Trabalho, Fábio Leal Cardoso, também teve sua vez de falar. Ele disse ter orgulho de um projeto, tocado pelo TRT 18, para levar ao mercado de pessoas em situação de “extrema vulnerabilidade” como moradores de rua, transexuais, travestis, imigrantes, refugiados, quilombolas — ou seja, diz ele, “todos aqueles seres humanos que suportam a opressão do dia a dia por viverem em uma sociedade conservadora, misógina, homofóbica e racista”. 

O evento também teve a particiação de Clarisse Mack, que se orgulha de ter fundado a “Escola Transfeminista de Direito”. Clarisse repetiu a tese de que o Brasil é “o país que mais mata mulheres trans e travestis”. 

O seminário contou ainda com a participação de Ludmila Santiago, que se apresenta como transexual e trabalha no gabinete do deputado distrital Max Maciel (PSOL). Ludmila afirmou que a expectativa de vida de uma pessoa trans no Brasil é de 35 anos — o que é uma impossibilidade estatística — e repetiu os dados sobre o número de transexuais assassinados.

“É tão maluco que ao mesmo tempo que é o país que mais mata, é o país que mais consome pornografia com os nossos corpos. Alguma coisa tá errado aí. E aí se a gente for analisar não tá muito errado porque essa construção é feita na sua maioria por homens cisgêneros  brancos, cis, classistas”, Ludmila afirmou.

Cada vez mais à vontade, Ludmila fazia piadas: “Eu infelizmente não recebi meu kit gay, adoraria ter a minha mamadeira de p… (termo chulo para o órgão sexual masculino”. A plateia ri. Ludmila afirma que quer construir o “traviarcado”, uma mistura das palavras “travesti” e “patriarcado”. 

Ludmila diz que não tolera discriminação. “Se eu entender que é preconceito… ô, querida, a ideia é furar sua jugular e ver o seu sangue descer lindamente ali.” A plateia ri novamentei. Ludmila parece se dar conta de que falou demais: “Mas, como eu sou uma travesti civilizada, eu não vou fazer isso”. Em seguida, se arrepende do arrependimento: “Mas que muitas vezes isso é possível e dá vontade, dá”.

Um dos integrantes da mesa era o ministro do TST (Tribunal Superior do Trabalho) Cláudio Mascarenhas Brandão.

Pautas progressistas avançam no Judiciário

Nos últimos anos, multiplicaram-se no Judiciário as iniciativas de promoção da “diversidade” e da “equidade”. A pauta parece ter ganhado ainda mais força nos últimos meses.

Neste ano, a Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra) lançou a sua cartilha “LGBTQIAPN” para influenciar os juízes a favorecer essa causa.

O documento descreve o Brasil como “o país que mais mata LGBTQIAPN+ no mundo”.

Em abril deste ano, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) também promoveu um seminário sobre racismo no qual as palavras de ordem dos grupos militantes mais radicais eram repetidas a todo o momento.

Dentre os convidados a discursar, estavam os deputados Orlando Silva (PCdoB-SP) e Antonio Brito (PSD-BA), além do Frei David Raimundo dos Santos, líder da ong Educafro. Frei David lamentou que, durante seu período à frente do TSE, Alexandre de Moraes não pôde se dedicar a fundo à promoção da diversidade porque “o Brasil precisou dele como Brasil”. “Ele não pode fazer tudo aquilo que ele sonhava em prol da diversidade”, discursou Frei David.  Moraes, que participava da cerimônia, interrompeu com uma piada: “É só esticar o meu mandato”.