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Katy Faust: direitos das crianças devem se sobrepor aos dos adultos

Em conversa com a equipe do Instituto Monte Castelo, escritora explica como a modificação do conceito de família prejudica justamente o grupo mais indefeso da sociedade

Em 1999, quando a apresentadora Xuxa anunciou que estava grávida em uma “produção independente”, o então ministro da Saúde, José Serra, criticou-a publicamente: para ele, a atitude geraria um mau exemplo entre as jovens. A premissa era a de que o modelo tradicional de família era o mais adequado ao bem-estar das crianças. Serra estava longe de ser um conservador, mas expressou algo que parecia senso comum na época. De lá para cá, muita coisa mudou. Recentemente, o comentarista americano Dave Rubin, que é gay e colabora com a plataforma conservadora The Daily Wire, anunciou que ele e o marido acabaram de encomendar dois bebês ao mesmo tempo via barriga de aluguel. A postagem dele no Twitter recebeu os parabéns de organizações como a Prager University e o portal The Blaze. O caso gerou controvérsia. E uma das principais vozes contra a iniciativa de Rubin foi a da escritora Katy Faust, que lançou no ano passado o livro “Them Before Us: Why We Need a Global Children’s Rights Movement” (que pode ser traduzido como “Eles antes de nós: por que precisamos de um movimento global pelos direitos das crianças”).

Katy sabe do que fala. Quando ela tinha dez anos de idade, seus pais se divorciaram e pouco tempo depois sua mãe começou um relacionamento homossexual. Na última década, ela participou de dezenas de debates e entrevistas sobre a importância da família tradicional, além de ter criado uma organização também chamada Them Before Us. Agora, em seu livro, ela une estudos científicos com depoimentos para lançar um alerta: o bem-estar das crianças está sendo sacrificado em nome das vontades dos adultos. Em entrevista exclusiva à equipe do Instituto Monte Castelo, ela faz um alerta aos brasileiros e explica como o  casamento gay, a barriga de aluguel, o divórcio facilitado e a doação de óvulos estão gerando crianças frustradas e emocionalmente frágeis. 

Dave Rubin e seu parceiro terão dois filhos por meio de barriga de aluguel, e muitas das vozes conservadoras parecem não ter problemas com isso. Você discorda. Por quê?

A barriga de aluguel é uma violação dos direitos das crianças, não importa quem está produzindo as crianças. A barriga de aluguel é a imposição planejada de uma ferida profunda na criança desde o momento do nascimento. Mesmo que a criança acabe sendo entregue a sua mãe e pai genéticos, o que você está fazendo é remover o vínculo mais importante da criança no momento do nascimento. Há décadas observamos que isso é prejudicial entre as crianças – inicialmente, entre as que foram adotadas. A diferença é que, com a adoção, às vezes essa separação é necessária. Mas isso nunca deve ser feito intencionalmente e certamente não para fins comerciais, como é com a barriga de aluguel. Portanto, o primeiro problema com esse cenário é que a barriga de aluguel é uma violação dos direitos e do bem-estar das crianças, independentemente de quem utiliza esse método. Segundo: o que está acontecendo com os óvulos doados, que na verdade são apenas alguns óvulos que foram comprados. Dave Rubin acabou fazendo uma explicação, em vídeo, do processo pelo qual eles passaram, e ele fala sobre a escolha da mãe genética nos catálogos de doadoras de óvulos. Ele disse que é muito parecido com aplicativos de namoro: você decide qual raça você quer, se a mãe mora perto de você, que tipo de educação ela tem, esse tipo de coisa. É um negócio com fins lucrativos – as  pessoas estão comprando óvulos e vendendo óvulos, eles estão comprando esperma e vendendo esperma, e então eles foram para o processo de compra da mãe genética de seu filho que é comum entre casais do mesmo sexo e até casais do sexo oposto cuja mulher não tem mais óvulos viáveis. Portanto, é sempre uma violação dos direitos da criança a compra da mãe ou do pai genético de uma criança com o propósito de gerar filhos. Seja através de um processo de fertilização in vitro ou um processo de barriga de aluguel, isso é sempre uma violação dos direitos das crianças. Essas crianças são mais propensas a sofrer com problemas de identidade e sentimentos de mercantilização. Elas tendem a ser colocadas em lares menos estáveis e tendem a sentir a falta de seus irmãos ou meio-irmãos. Eles desejam muito ter seu histórico médico completo. Então a ideia de usar um terceiro para gerar filhos não é um processo amigável para crianças. E, por fim, esses bebês que serão criados por Dave Rubin e seu marido serão criados em um lar sem mãe. Eles nem sequer terão uma mãe em sua casa. Eles perderam a mãe biológica, o que acontece com as crianças nascidas de barriga de aluguel. Eles foram gerados por meio de uma doação. Bem, às vezes esses bebês, pelo menos, ainda recebem amor materno. Às vezes, bebês gerados assim ainda têm uma presença materna todos os dias de suas vidas. Mas essas crianças que Dave Rubin criou perderam em essência todas as três mães: sua mãe genética, sua mãe biológica e sua mãe social, uma mulher que esteja em sua vida todos os dias. Então, infelizmente, eu acho que a maioria dos conservadores e até mesmo muitos cristãos não estão realmente entendendo do que se trata. 

Parece que a questão principal aqui, neste caso específico, é se existe um direito absoluto à paternidade e à maternidade. É possível se falar nesses termos?

Ninguém tem direito a uma criança que não seja geneticamente sua. Essa é a realidade. Ninguém tem direito a um filho. Se você gera uma criança e dá à luz uma criança, você tem direito a essa criança, e então o outro lado disso é que a criança tem direito a seus pais genéticos. Mas ninguém tem direito a um bebê que não seja biologicamente relacionado a si. Conhecemos muito bem esse princípio quando se trata do mundo da adoção: meu marido e eu somos pais adotivos. Nós não entramos na agência de adoção e dissemos ‘Eu tenho o direito de ser pai desta criança’. Eles teriam dito não. Eles perderiam a licença como agência de adoção se não houvesse uma triagem e verificações de antecedentes. Ninguém tem o direito de pedir que alguém lhe dê uma criança que não é geneticamente relacionada a ele. Mas esse é o cenário que estamos criando por meio das tecnologias reprodutivas.

Em seu livro, você argumenta que a abordagem atual ao tema da reprodução humana é “adultocêntrica”, e que é preciso priorizar o bem-estar das crianças. É um argumento bem articulado, mas o caso Dave Rubin parece indicar que o seu lado está sendo derrotado. Os Estados Unidos estão se tornando mais liberais nesse assunto. Como evitar isso?

Bem, as crianças estão crescendo. Não existem muitas crianças nascidas de barriga de aluguel com idade suficiente para falar sobre como isso afetou suas vidas, e temos poucas pessoas concebidas por doadoras de óvulos que podem falar a respeito, porque isso realmente começou a acontecer nos anos 80 e 90. Mas existem centenas de pessoas geradas por meio da doação de esperma, que começou a se popularizar nos anos 70. Eles estão crescendo e geralmente não se sentem bem com essa prática. Mas, em primeiro lugar, se estamos ou não do lado perdedor ou do lado vencedor é completamente irrelevante. Estamos do lado da justiça? Essa é a única métrica que devemos observar aqui. Muitas vezes, o mundo esteve do lado errado em questões de justiça. O que importa não é se você vai ou não ganhar, é se você está protegendo os mais vulneráveis ​​ou não. Em segundo lugar, você não pode suprimir a lei natural para sempre. Vimos isso no debate sobre o aborto. Havia uma expectativa de que, uma vez que a decisão Roe versus Wade fosse aplicada, a questão desapareceria. Mas não foi o que aconteceu. Como disse meu amigo Doug Mainwaring – um homem gay que apoia o casamento tradicional -, você nunca estará do lado errado da história quando estiver do lado certo da lei natural. A lei natural é um tipo de lei que você não pode suprimir. O fato de que as crianças têm direito à vida virá à tona, independentemente do que sua Suprema Corte diga. O fato de que as crianças provêm de um homem e uma mulher, que elas se beneficiam de um relacionamento com esse homem e essa mulher, que elas prosperam quando são criadas por esse homem e essa mulher, e que têm um direito natural a esse homem e mulher, esse fato desaparece só porque a Suprema Corte legalizou o casamento gay. Essa realidade não desaparece porque todos os dias descobrimos uma nova maneira de criar bebês em laboratórios. A questão é: quantas crianças serão prejudicadas antes de permitirmos que nossas leis e nossa cultura se alinhem com essas realidades da lei natural?

Uma década atrás, conservadores mais moderados apoiaram a instituição do casamento gay. Você mesma já disse que, em princípio, não se opunha a essa mudança. Olhando em retrospectiva, faltou uma visão mais adequada sobre as consequências dessa decisão sobre as crianças?

Quando eu era mais jovem, eu não entendia qual era o problema. Mas isso certamente mudou quando tive meus próprios filhos e entendi a importância de mães e pais, e vi a devastação nas crianças quando elas perdem a mãe ou o pai. E você está certo: a maioria dos conservadores eram contra o casamento gay na época em que estava sendo debatido; mas, no ano passado, pela primeira vez a maioria dos conservadores passou a aprovar o casamento gay. Portanto, essa bússola moral tem de vir de outra fonte que não o conservadorismo. Não estamos em uma boa situação em termos de clareza moral sobre essas questões, provavelmente porque nos inclinamos demais para o libertarianismo em vez de ver o que realmente precisamos conservar. Então, para os conservadores, temos que falar sobre algo que mencionamos nos primeiros capítulos do nosso livro: não há governo limitado sem casamentos fortes. A mesma coisa para nossos amigos da esquerda: temos que explicar que eles não verão justiça social a menos que priorizem justiça para o indivíduo em um relacionamento com sua mãe e seu pai. Por quê? Porque a pobreza dos adolescentes, a falta de moradia dos adolescentes, o suicídio dos adolescentes, a taxa de abandono escolar, todos os males sociais que estamos enfrentando hoje têm muito a ver com a falta de um pai. Precisamos defender os direitos das crianças a uma a um pai e uma mãe. Infelizmente, muitos conservadores parecem ter perdido o rumo.

Sem recorrer a princípios religiosos e baseando-se apenas em dados concretos, é possível construir um argumento sólido em favor da família tradicional?

Sim, e isto é cem por cento claro. Estatisticamente, não é possível argumentar que o que constrói uma família é o amor, que a biologia não importa, que mães e pais são intercambiáveis ​​e opcionais. Algumas pessoas dirão que estudos mostram que crianças criadas por casais do mesmo sexo se saem tão bem quanto as crianças criadas por casais do sexo oposto. Nesses casos, o que eu gosto de fazer é ampliar o foco e dizer: “Sempre que você estuda uma estrutura familiar que não é parentalidade do mesmo sexo, os sociólogos concordam em três coisas: número um, que a biologia é importante nas relações pais-filhos – que os pais biológicos são os mais seguros, mais conectados, mais empenhados e mais protetores com seus filhos. Número dois: eles concordam que mães e pais são diferentes, e que oferecem benefícios distintos aos filhos. Que há coisas que só as mães fazem, outras coisas que só os pais fazem. E as crianças precisam de ambos, sejam habilidades motoras finas que mãe a desenvolve, sejam habilidades motoras grossas que o pai incentiva. Seja com o cuidado e a segurança que a mãe oferece, seja com a habilidade de correr riscos e competir, que o pai oferece. Número três: todos os estudos que mostramos sobre a perda dos pais, seja por morte, divórcio, abandono, e agora estudos sobre tecnologia reprodutiva, mostram o seguinte: mesmo que essas crianças sejam criadas em lares heterossexuais, elas sofrem por causa dessa perda traumática em sua família. Então, a sociologia concorda com essas coisas. Estranhamente, quando se estuda a paternidade do mesmo sexo, os estudos mostram que essas crianças não estão se saindo pior do que as demais. Qual é a diferença na diferença? E a diferença é o viés. Hoje sabemos que os estudos que não mostram diferenças têm sérias falhas metodológicas. Portanto, fique com o que é evidente: que as duas pessoas responsáveis ​​por criar a criança também estão em melhores condições de criá-la. Que é melhor para uma criança não sofrer uma perda traumática. Fique com aquilo que é ditado pelo bom senso, apoiado ao longo da história e por todas as principais religiões do mundo, além de sustentado pelas melhores pesquisas disponíveis e, agora, como mostramos no livro, pelas histórias das crianças foram criadas nestas famílias modernas. 

Em seu livro, você também utiliza alguns argumentos evolucionistas a favor da família. O raciocínio é que, se o ser humano foi moldado pela evolução, a conexão entre as crianças e seus pais biológicos não pode ser desprezada. Você acredita que, mesmo entre pessoas não-religiosas, há bons motivos para se opor a práticas que enfraquecem essa conexão natural?

Com certeza. Passamos muito tempo no capítulo de nosso livro falando sobre alguns biólogos evolucionistas Martin Daly e Margo Wilson, que passaram muito tempo estudando os casos de  abuso, negligência e homicídio que tinham por parte de padrastos. O risco de morte de crianças criadas por um homem que não é biologicamente relacionado a elas é cerca de 190 vezes maior. Os autores cunharam a expressão “Efeito Cinderela”, que é a ideia de que pais adotivos não tratam seus filhos da mesma forma que os pais biológicos fazem. Wilson e Daly explicam que, obviamente, não há vantagem evolutiva em investir tanto tempo e recursos em uma criança que não é geneticamente relacionada a você. Então eles explicariam isso de uma perspectiva evolucionária: é claro que você vai favorecer sua própria prole biológica, e você vai ter como alvo a prole que vai sugar recursos, tempo e energia de sua prole. Eu conheço padrastos e madrastas que são verdadeiros heróis. Acredito que a adoção é uma instituição justa. A adoção é uma resposta às crianças necessitadas e, quem adota merece nosso reconhecimento e nosso apoio. Mas quando você está falando sobre estruturas de famílias, se você não reconhece que a biologia é uma enorme fonte de segurança e identidade para as crianças, você simplesmente não está prestando atenção na realidade.

O que fazer quando dois gays ou duas lésbicas são os únicos candidatos à adoção de uma criança?

Antes de mais nada, precisamos entender para quem é a adoção: a adoção não é uma forma de os adultos terem filhos. O cliente não é o adulto. O adulto não está ali para completar sua família ou formar família quando não há possibilidade de procriação em seu relacionamento. Não é por isso que a adoção existe. Não é para dar crianças aos adultos. A adoção existe para encontrar pais amorosos para crianças que perderam os seus. A criança é o cliente. Quando a adoção é bem feita, nem todo adulto que quer uma criança vai conseguir uma. Mas, se a adoção for bem feita, toda criança que precisar de um lar amoroso será colocada em um. Então, temos que olhar para isso do ponto de vista da criança. Se a criança é o cliente, se se trata de colocá-la na casa que melhor lhe convier, então você vai analisar vários fatores. O primeiro é colocar a criança com parentes biológicos sempre que possível, porque as crianças se beneficiam das conexões com sua família imediata. Número dois: como as crianças se beneficiam do amor materno e paterno, você precisa colocá-las em lares com uma mãe e um pai sempre que possível. Número três: se possível, elas precisam ser adotadas por uma mãe e um pai casados, porque o casamento traz a estabilidade de que elas tanto precisam. Número quatro: o ideal é que os pais sejam capazes de manter grupos de irmãos juntos. É preciso ter critérios que os assistentes sociais levem em conta para avaliar qual é a melhor colocação para uma criança. Agora, aqui está a realidade: quando se trata de bebês brancos e saudáveis, você tem filas de espera quilométricas. Quando se trata de crianças mais velhas, grupos de irmãos e crianças com necessidades especiais, às vezes você não tem um casal heterossexual que está disposto a fazer a adoção. E assim, nesses casos, pode haver uma situação em que duas mulheres ou dois homens podem ser a melhor colocação para a criança. Mas não é porque esses adultos têm o direito de adotar. Nenhum adulto tem o direito de adotar. As crianças que perderam seus pais têm o direito de serem adotadas, e temos que analisar esses fatores para determinar qual é a melhor colocação para cada criança.

Muitas pessoas nos Estados Unidos interpretaram seu argumento como uma forma de discriminação contra homossexuais. Como responder a isso?

Ah, sim, isso é interpretado e denunciado como discriminação. Hoje, até mesmo dizer as palavras mãe e pai constitui discriminação em algumas contextos. Eu não sei de nenhuma instituição governamental nos Estados Unidos que afirme que as crianças devem ter mãe e pai, porque elas querem evitar a acusação de discriminação. Quando você redefine o casamento e torna os maridos e as esposas opcionais, você redefine a paternidade para tornar a mãe e o pai opcionais. Isso é um problema, porque na vida das crianças a mãe ou o pai nunca são opcionais. Nós não entendemos a questão do casamento corretamente. Nós não entendemos a importância das implicações do casamento sobre a criança. Quando você compartilha as histórias de crianças que foram criadas por duas mães ou dois pais, que falam sobre sua busca desesperada por um pai e uma mãe, ou como elas anseiam pelo amor de qualquer homem em sua vida porque foram criadas por duas mulheres, isso começa a fazer as pessoas mudarem de opinião. O nosso lado, o lado do casamento tradicional sempre teve os melhores dados. Nós nunca ouvimos as histórias das crianças porque a exposição gera um preço muito alto para elas. Então, esse é um dos nossos objetivos com o livro: mostrar rostos da vida real de crianças que tiveram que viver com essas idéias ruins sobre casamento e família.

VÍDEO INSTITUCIONAL (EM INGLÊS) DA ORGANIZAÇÃO THEM BEFORE US
https://youtube.com/watch?v=FFP27pofXhQ%3Fversion%3D3%26rel%3D1%26showsearch%3D0%26showinfo%3D1%26iv_load_policy%3D1%26fs%3D1%26hl%3Dpt-br%26autohide%3D2%26wmode%3Dtransparent

O objetivo principal da sua organização Them Before Us também é mostrar essas histórias para que o público possa enxergar os rostos por trás das estatísticas?

Sim. Eu adoro ler as pesquisas sobre esse assunto, e acho que a pesquisa e as estatísticas são muito mais importantes do que histórias individuais, porque você pode encontrar histórias de todos os lados. As pesquisas estão do nosso lado de forma incontestável, porque a lei natural, o bom senso e a biologia estão conosco. Mas hoje em dia, estatísticas e pesquisas por si só não mudam as coisas – as histórias das crianças sim. Então, essa é uma das razões pelas quais começamos a Them Before Us: é para que as pessoas tenham acesso a todas essas histórias. Que vejam por si próprios como uma criança criada por meio da doação de esperma lutou desesperadamente com sua identidade. É ver como ela ficou surpresa  quando conheceram seus 49 meio-irmãos no 23andMe (um site que faz mapeamento de DNA). Primeiro você começa com as histórias E então você chega com os dados.

Existe também uma crítica a ser feita contra o divórcio simplificado (o “no fault divorce”, ou “divórcio sem culpa”)? Se sim, por que tão poucos conservadores tocam nesse assunto?

Com certeza. A legalização do divórcio sem culpa foi a redefinição original do casamento. O casamento teve essas normas e todas elas têm um benefício muito específico para a criança: o primeiro é a monogamia. O segundo é a complementaridade entre homem e mulher. O terceiro é a exclusividade. O quarto é a permanência, porque as crianças não precisam apenas da mãe e do pai por dois meses ou dois anos ou 12 anos, as crianças precisam da mãe e do pai por toda a vida. Portanto, quando legalizamos o divórcio sem culpa, em essência, dissemos às pessoas que a permanência deixou de ser uma dessas normas. Comunicamos que o  casamento deve existir desde que te faça feliz. Essa foi a redefinição original do casamento. Bem, os defensores do casamento entre pessoas do mesmo sexo deram o próximo passo e disseram que se o casamento é apenas para fazer você feliz, outro homem me faz feliz  – ou outra mulher me faz feliz. Legalizamos o casamento gay em grande parte com base na ideia de realização pessoal. O divórcio sem culpa destruiu o aspecto permanente, o casamento entre pessoas do mesmo sexo destruiu o aspecto complementar, e agora os polígamos vão atrás da exclusividade e do aspecto monogâmico do casamento. As crianças simplesmente se tornarão itens a serem recortados e colados em todo e qualquer relacionamento adulto.

Sua experiência com seus pais divorciados lhe ajudou a entender a perspectiva de crianças que não vivem com pai e mãe biológicos?

Eu certamente entendo os desafios e os altos e baixos pós-divórcio. Há três elementos básicos para a saúde emocional de uma criança: o amor da mãe, o amor do pai e a estabilidade. O que o divórcio causa é que, em primeiro lugar, você recebe 50% do amor da mãe e 50% do amor dos pais, e isso é 50% menos do que as crianças precisam todos os dias. Além disso, muitas vezes a estabilidade desaparece totalmente porque você tem diferentes parceiros ou cônjuges entrando e saindo o tempo todo. Você se muda para lugares diferentes, muitas vezes novos cônjuges trazem meio-irmãos ou novos meio-irmãos. E, como esses novos relacionamentos são ainda menos propensos a ter sucesso do que o casamento original, existe uma probabilidade muito alta de haver uma porta giratória de diferentes adultos na vida da criança. Eu sei bem o que é isso. Mas graças a Deus eu ainda tenho um pai de verdade e tenho um relacionamento próximo com minha mãe e meu pai. Minha mãe iniciou um relacionamento com uma mulher logo após o divórcio, mas essa mulher nunca fingiu ser uma outra mãe. Eu a considero minha amiga, então isso me ajuda a saber como amar minha família e amigos gays e lésbicas. Eu levo isso muito a sério no meu trabalho, porque temos uma grande coalizão de adultos e muitos deles se identificam como gays e lésbicas. Qualquer adulto que esteja disposto a lutar pelas crianças é um de nós. 

No Brasil, talvez sejamos dois ou três passos atrás nesses assuntos, mas a opinião pública e as instituições parecem estar se movendo na mesma direção dos EUA.  Quais conselhos você daria aos brasileiros que se interessam pelos direitos das crianças?

Número um: não use argumentos religiosos. Não baseie isso em sua religião. Não escolha apenas um grupo para criticar. Fale sobre casamentos gays, mas fale também sobre a doação de óvulos e esperma para casais heterossexuais. Uma das razões pelas quais falhamos no passado é porque aplicamos nossa indignação de forma seletiva. Quando falei contra o caso de Dave Rubin, a objeção que surgia era essa: “Mas você não se importaria se fosse um casal heterossexual gerando filhos por meio de barriga de aluguel”. E minha resposta foi “Aqui está o meu artigo que escrevi em que disse: sim, a barriga de aluguel é errada mesmo quando casais heterossexuais fazem isso”.  Portanto, precisamos ser igualmente firmes e nos opor a toda e qualquer prática que insista que as crianças devem ser sacrificadas em prol dos adultos. Há várias organizações, mesmo algumas que se dizem pró-família, que não estão dispostas a criticar a fertilização in vitro, condenar a doação de esperma, ou falar sobre os danos do divórcio sem culpa. E assim se perde totalmente a credibilidade. Ou você vai com tudo e defende todas as crianças que estão tendo seus direitos sacrificados em nome do desejo dos  adultos, ou você sai de campo.