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Sentença condenatória de Tiradentes (1792)

A Inconfidência Mineira foi um dos momentos mais importantes do Século 18 no Brasil. Antecipando-se à Independência em 30 anos, Tiradentes e seus companheiros defendiam uma separação entre a coroa portuguesa e o Brasil — ou pelo menos parte do Brasil, já que aparentemente eles pretendiam tornar Minas Gerais uma república livre. O grupo foi fortemente inspirado pela Independência dos Estados Unidos, proclamada em 1776.

O documento abaixo, com a ortografia atualizada, é a sentença que condenou Tiradentes à morte.

Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes (1746-1792)

“Mostra-se que entre os chefes, e cabeças da Conjuração, o primeiro que suscitou as ideas de república foi o Réu Joaquim José da Silva Xavier, por alcunha o Tiradentes, Alferes que foi da Cavallaria paga da Capitania de Minas, o qual há muito tempo, que tinha concebido o abominável intento de conduzir os povos daquela Capitania a uma rebelião, pela qual se subtraíssem da justa obediência devida à dita Senhora, formando para este fim publicamente discursos sediciosos, que foram denunciados ao Governador de Minas antecessor do atual, e que então sem nenhuma razão foram desprezados,  como consta afl. 74, folhas 68v., folhas 127v., e fl. 2ª do Ap. n. 8 da devassa principiada nesta cidade: e suposto que aqueles discursos não produzissem naquele tempo outro efeito mais do que o escândalo e abominação que mereciam, com tudo, como o réu viu que o deixavam formar impunemente aquelas criminosas práticas, julgou por ocasião mais oportuna para continuá-las com maior eficácia no ano de Jesus Cristo de 1788, em que o atual governador de Minas tomou posse do governo da capitania e tratava de fazer lançar a derrama para completar o pagamento das cem arrobas de ouro, que os povos de Minas se obrigaram a pagar anualmente pelo oferecimento voluntário que fizeram em 24 de março de 1734, aceito e confirmado pelo Alvará de 3 de Dezembro de 1750, em lugar da capitação desde então abolida. Porém persuadindo-se o réu que o lançamento da derrama para completar o cômputo das cem arrobas de ouro não bastaria para conduzir os povos à rebelião, estando eles certos em que tinham oferecido voluntariamente aquele cômputo como um subrogado muito favorável em lugar do quinto do ouro que tirassem nas minas, que são um direito real em todas as monarquias, passou a publicar que na derrama competiam a cada pessoa as quantias que arbitrou, que seriam capazes de atemorizar os povos, e a pretender fazer com temerário atrevimento e horrenda falsidade odioso o suavíssimo e iluminadissimo governo da dita senhora, e as sábias providências dos seus ministros de Estado, publicando que o atual governador de Minas tinha trazido ordem para oprimir e arruinar os leais vassalos da mesma senhora, fazendo com que nenhum deles pudesse ter mais de dez mil cruzados, o que jura Vicente Vieira da Motta a fl. 60, e o tenente coronel Basilio de Brito Malheiro a fl. 52v., ter ouvido deste réu, e a fl. 108, da devassa tirada por ordem do governador de Minas, e que o mesmo a ouvira a João da Costa Rodrigues a fl. 57 e ao cônego Luiz Vieira a fl. 60 da devassa tirada por ordem do vice-Rei do Estado.

Mostra-se que tendo o réu Tiradentes publicado aquelas horríveis e notárias falsidades, como alicerce da infame máquina que pretendia estabelecer, comunicou, em Setembro de 1788 as suas perversas ideias ao réu José Alvares Maciel, visistando-o nesta cidade a tempo que o dito Maciei chegava de viajar por alguns reinos estrangeiros para se recolher à Vila-Rica, de onde era natural, como consta a fl. 10 do Ap. n. 1 e fl. 2 do Ap. n. 112 da devassa principiada nesta cidade; e tendo o dito réu Tiradentes encontrado no mesmo Maciel não só aprovação, mas também novos argumentos que o confirmaram nos seus execrandos projetos, como se prova a fl. 10 do dito Ap. n. 1 e a fi. 7 do Ap. n. 4 da dita devessa, saíram os referidos réus desta cidade para Vilia-Rica, capital da capitania de Minas, ajustados em formarem o partido para rebelião; e com efeito o dito réu Tiradentes foi logo de caminho e examinando os ânimos das pessoas a quem faltava, como foi aos réus José Ayres Gomes e padre Manoel Rodrigues da Costa: chegando à Vila-Rica, a primeira pessoa a quem os sobreditos dois réus Tiradentes e Maciei faltaram foi ao réu Francisco de Paula Freire de Andrade, que então era tenente-coronel comandante da tropa paga da capitania de Minas, cunhado do dito Maciel; e suposto que o dito Francisco de Paula duvidasse no princípio conformar-se com as ideias daqueles dois perfidos réus, o que confessa o dito Tiradentes a fl. 10 v. do dito Ap. n. 1, contudo, persuadido pelo mesmo Tiradentes com a falsa asserção de que nesta cidade do Rio de Janeiro havia um grande partido de homens de negócio promtos para ajudarem a sublevação, tanto que ela se efetuasse na capitania de Minas, e pelo réu Maciel seu cunhado, com a fantástica promessa de que logo se executasse a sua infame resolução, teriam socorros de potências estrangeiras, referindo em confirmação disto algumas práticas, que dizia ter por lá ouvido, perdeu o dito réu Francisco de Paula todo o receio, como consta a fl. 10 v e fl. 11 do Ap. n. 1, e fl. 7 do Ap. n. 4 da devassa desta cidade, adotando os pérfidos projetos dos ditos dois réus para formarem a infame conjuração de estabelecerem na capitania de Minas uma república independente.

Mostra-se quanto ao réu Joaquim José da Silva Xavier por alcunha o Tiradentes, que esta monstruosa perfídia depois de recitar naquelas escandalosas, e horrorosas assembleias as utilidades, que reultariam do seu infame projeto, se encarregou de ir cortar a cabeça ao General, como consta a fl. 103 v. e fl. 107 e Aps. n. 4, fl. 10 e n. 5 a fls. 7v. da devassa desta cidade, e fis. 99v. da devassa de Minas, e conduzindo-a faria patente ao povo e tropa, que estaria formada na maneira sobredita, não obstante dizer o mesmo réu a f I. 1 1 v. do Ap. n. 1, que só se obrigou a ir prender o mesmo General, e conduzi-lo com sua família fora dos limites da capitania, dizendo-lhe, que se fosse embora; parecendo-lhe talvez que com esta confissão ficaria sendo menor o seu delito.

Mostra-se que este abominavel réu ideou a forma da bandeira que devia ter a república, que devia constar de três triangulos com alusão às três pessoas da Santíssima Trindade, o que confessa a fl. 12 do Ap. n. 1, ainda que contra este voto prevaleceu o réu Alvarenga, que se lembrou de outra mais ailusiva à liberdade, que foi geralmente aprovada pelos conjurados. Também se obrigou o dito réu Tiradentes a conduzir para a sublevação a todas as pessoas que pudesse. Confessa a fl. 12 Ap. n. 1, e satisfez ao que prometeu falando em particular a muitos, cuja fidelidade pretendeu corromper, principiando a expor-lhes as riquezas daquela capitania, que podia ser um império florescente, como foi a Antonio de Affonseca Pestana, a Joaquim José da Rocha, e nesta cidade a João Nunes Carneiro e a Manoel Luiz Pereira, furriei do regimento de artilharia; consta a fl. 16 e fl. 18 da devassa desta cidade; os quais como atalharam a prática por onde o réu principiava ordinariamente a iludir os ânimos, não passou avante a communicar-lhes com mais clareza os seus malvados e perversos intentos,- confessa o réu a fl. 18 v., Ap. n. 1.

Mostra-se mais que o réu se animou com sua costumada ousadia a convidar expressamente para o levante ao réu Vicente da Motta, confessa este a fl. 73 v., e no Ap. n. 20, e o réu a fl. 12 v., Ap. n. 1, e era tal o excesso e descaramento deste réu, que publicamente formava discursos sediciosos onde quer que se achava, ainda mesmo pelas tavernas, com o mais escandaloso atrevimento, como se prova pela testemunha a fl. 71, 73, Ap. n. 8, fl. 3 da devassa desta cidade, a fl. 58 da devassa de Minas, sendo talvez por esta descomedida ousadia, com que mostrava ter totalmente perdido o temor das justiças e o respeito e fidelidade devida à dita Senhora, reputado por um herói entre os conjurados, como consta a fl. 102 e Ap. 4, a fl. 10 da devassa desta cidade.

Mostra-se mais que com o mesmo pérfido ânimo e escandalosa ousadia partiu o réu de Vilia-Rica para esta cidade em Março de 1789, para o intento de publicar, e particularmente com as suas costumadas praticas convidar gente para o seu partido, dizendo ao coronel Joaquim Silvério dos Reis, que reputava ser do numero dos conjurados, encontrando-o no caminho perante várias pessoas – Cá vou trabalhar para todos – o que juram as testemunhas a fis. 15 fis. 99 v. fls. 142 fls. 100 e fls. 143 da devassa desta cidade; e com efeito continuou a desempenhar a pérfida comissão de que se tinha encarregado nos abomináveis conventículos, faltando no caminho a João Dias da Motta para entrar na rebelião, e descaradamente na estalagem da Varginha perante os réus João da Costa Rodrigues e Antonio de Oliveira Lopes, dizendo a respeito do levante – que não era levantar, que era restaurar a terra – expressão infame de que já se tinha usado em casa de João Rodrigues de Macedo, sendo repreendido de falar em levante, o que consta a fl. 61 da devassa desta cidade e a fl. 36 da devassa de Minas.

Mostra-se que n’esta cidade fallou o réu com o mesmo atrevimento e escandalo, em casa de Valentim Lopes da Cunha, perante várias pessoas, por ocasião de se queixar o soldado Manoei Corrêa Vasques de não poder conseguir a baixa que pretendia, ao que respondeu o réu, como louco furioso, que era muito bem feito que soffresse a praça, e que o açoitassem, porque os cariocas americanos eram fracos, vis e de espíritos baixos, porque podiam passar sem o jugo que soffriam, e viver independentes do reino, e o toleravam; mas que se houvesse algum como ele réu, talvez que fosse outra cousa, e ele agora receiava que houvesse levante na capitania de Minas, em razão da derrama que se esperava, e que em semelhantes circunstâncias seria fácil havei-o; de cujas expressões sendo reprehendido pelos que estavam presentes, não declarou mais os seus perversos e horríveis intentos; consta a fl. 17 e fl. 18 da devassa desta cidade. E sendo o vice-rei do Estado a esse tempo já informado dos abominaveis projectos do réu, mandou vigiar-lhe os passos, e averiguar as casas onde entrava, e de que tendo ele alguma noticia ou avizo, dispôz a sua fugida pelo sertão da capitania de Minas, sem dúvida para ainda executar os seos malvados intentos, se pudesse, occultando-se para este fim em casa do réu Domingos Fernandes, aonde foi preso, achando-se-lhe as cartas dos réus Manoel José de Miranda, e Manoel Joaquim de Sá Pinto do Rego Fortes, para o mestre de campo lgnacio o auxiliar na fugida.

Portanto condenam ao réu Joaquim José da Silva Xavier, por alcunha o Tiradentes, alferes que foi da tropa paga da Capitania de Minas Gerais, a que, com baraço e pregação, seja conduzido pelas ruas públicas ao lugar da forca, e nela morra morte natural para sempre e que, depois de morto, lhe seja cortada a cabeça e levada a Vila Rica, aonde, em o lugar mais público dela, será pregada em um poste alto, até que o tempo a consuma, e o seu corpo será dividido em quatro quartos e pregados em postes, pelo caminho de Minas, no sítio da Varginha e das Cebolas, aonde o réu teve as suas infames práticas, e os mais nos sítios de maiores povoações, até que o tempo também os consuma; declaram o réu infame, e seus filhos e netos, tendo-os, e os seus bens aplicam para o Fisco e Câmara Real, e a casa em que vivia em Vila Rica será arrasada e salgada, para que nunca mais no chão edifique, e não sendo própria será avaliada e paga a seu dono pelo bens confiscados, e no mesmo chão se levantará um padrão, pelo qual se conserve em memória a infância deste abominável réu.”