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Juscelino Kubitschek, Discurso em comemoração à Semana da Pátria (1957)

O texto abaixo é um trecho do discurso, feito por cadeia de rádio e endereçado à juventude brasileira. Juscelino Kubitschek presidiu o Brasil em um período de raro otimismo: a economia crescia, a cultura nacional florescia e – apesar dos problemas crônicos da política nacional – o país desfrutava de liberdade em meio a duas ditaduras (a de Getúlio Vargas, que se encerrou em 1945, e a militar, que começaria em 1964). O discurso feito por JK para comemorar a Independência do Brasil em 1957 traz sinais desse otimismo.

Juscelino Kubitschek (1902-1976)

“Vós sabeis, meus jovens patrícios, que aqui representais as forças e a esperança de amanhã de toda a pátria; que não há razão para descrer, nem para resignadamente aceitar a tese de sermos país incompatível com a grandeza. Vós sabeis, brasileiros, que nossa viagem para um grande destino não está interrompida. Que a nau, ao contrário, avança por sobre as águas; que não se deixou o povo brasileiro arrastar para as paragens fatais, muito embora as sereias tenham longamente entoada e continuem a entoar os seus cantos tão sedutores quão funestos. Não estaria certo, nem corresponderia eu à grave responsabilidade de falar à juventude, se vos ocultasse que a luta é árdua, e que perigos não faltam nesta rota que perseguimos, todos nós.  

O período em que me cabe presidir aos destinos do Brasil acha-se repleto de óbices. Não terá havido – se não me altera o conhecimento da realidade o fato de estar eu próprio na Presidência da República – trecho mais difícil de atravessar, nem que do timoneiro seja requerida mais prudência, exigido mais comedimento e atenção.

Não faltam inimigos da liberdade a procurar estabelecer uma atmosfera de descrença na democracia, como se os erros e até mesmo a indignidade dos elementos que se utilizam mal do regime em que vivem justificassem a condenação da única forma de governo à altura dos povos civilizados. Só na liberdade é possível formar-se, aprimorar-se a consciência de um país.

Tendes, jovens, razão de júbilo, de orgulho mesmo, em pertencerdes a um país em que há lei, em que há liberdade, em que os homens necessitados de clamar e reclamar justiça o podem fazer sem risco de vida, o que, infelizmente, não ocorre em tantas partes do mundo. Orgulhai-vos de serdes filhos de uma terra em que não medram os preconceitos de raça.

Nem tudo vai bem, e quem o sabe melhor do que eu? Mas em torno dos problemas há ampla possibilidade de debate, e a verdade acaba surgindo sempre, e impondo-se. Os que lutam pelas causas justas não são obrigados a silenciar – brutalizados pela força prepotente, pela violência, que humilha e degrada a pessoa humana.

Gravai bem nos vossos espíritos, quando vos procurarem desalentar, a reconfortante certeza de que esta é uma nação livre, de que usufruis a dignidade de respirar numa terra em que não existem castas, nem prerrogativas ou abusos, em que todos têm acesso às posições e honras em virtude de mérito próprio, e não por efeito de herança de pais bem nascidos.

Quem vos fala – tendo atingido o mais alto posto da República – foi uma criança pobre, um adolescente que teve de ganhar humildemente o seu pão de cada dia; vivendo num meio modesto, em que tão somente os horizontes naturais eram dilatados, nada disto o impediu de abrir seu caminho e conquistar um lugar ao sol. Poucos de vós, meus jovens patrícios, começastes a luta pela existência mais cedo e com menos elementos do que eu.

Respondei aos que choram sobre as desgraças do Brasil que em nossa pátria não há tiranos, não há odiosos e desumanos preconceitos de raça, não há e não deve haver sentimento de inferioridade diante do estrangeiro, por mais rico e poderoso que seja.

Apesar dos perigos e dificuldades que atravessamos constantemente, apesar de que aqui, como em todos os grandes países do mundo, as forças do mal estejam atentas, procurando deturpar a nossa índole generosa, intrigar-nos com os nossos amigos e aliados, aluir os fundamentos de nosso patriotismo, podeis compenetrar-vos de que a vigilância das forças do bem é contínua, indormida e inabalável.

Recebemos um patrimônio, pelo qual haveremos de zelar – o da nossa liberdade, o do respeito que devotamos aos nossos semelhantes. Podemos comparar-nos, sem temer confronto, a qualquer outro país, na linha de tolerância com que se tem processado a nossa evolução política. E isto significa civilização.

Não seria sincero com a juventude se negasse a evidência de que semeadores de ódio prosseguem na sua faina inglória. Mas, até hoje, a terra amável e generosa, que é a alma do povo brasileiro, não permitiu que no seu seio vingasse tão amargas sementes.

Somos um país cristão. Os envenenadores de má catadura inutilmente desejarão que façamos nossas as doutrinas que, a pretexto de pugnarem pela igualdade social, se apoiam na injustiça, na crueldade, no materialismo, na corrupção do poder aparelhado para dispor a seu talante da própria vida dos indivíduos.

Não é esta uma nação que mude de rumo, que traia as linhas mestras de sua formação, que renegue do seu passado, que repudie o seu Deus. Ninguém terá força bastante para operar mudança tão grave; ninguém ousará desviar o curso deste rio invisível que segue, incessantemente, através do tempo, servindo as diversas gerações, unindo-as na comunhão dos mesmos anseios, esse rio imagem da alma nacional, explicação e causa de nossa unidade.

Seria trair-vos, jovens brasileiros, consentir que aqui triunfassem doutrinas e teorias que se chocam com o que há em nós de mais profundo e autêntico.

No patriótico amor que nutrimos por nossa independência não se compreende ressentimento ou queixa contra ninguém de fora, pois cabe-nos, exclusivamente a nós, a responsabilidade do que se passa aqui.

Nação amadurecida, consolidada na sua autonomia, ninguém nos persegue ou ameaça, Deus louvado. Não devemos esperar que nos amparem para crescermos e melhorarmos as condições de vida de nosso povo, onde ainda tão numerosos, infelizmente, são os desfavorecidos. É sobre nós próprios que pesam as desigualdades e infelicidades que não conseguimos banir de nossa terra.

Um sentimento de pundonor nacional, bem compreendido, nos força a repetir que a obrigação de afirmar-nos como grande país recai exclusivamente em nossos ombros.”