Este trecho dá uma pequena amostra de como era viver no Brasil holandês, cob o governo do conde João Maurício de Nassau. Escrita por Gaspar Barléu (teólogo, poeta e professor de lógica), o texto tem certo tom laudatório, mas é um raro relato detalhado a respeito direitos concedidos aos portugueses pelos holandeses, que eram protestantes.
A passagem selecionada faz parte do livro O Brasil holandês sob o conde João Maurício de Nassau. A íntegra da obra foi publicada pela Editora do Senado e está disponível gratuitamente aqui.
Os holandeses foram derrotados e expulsos do Brasil em 1654.
“Assim como é honroso derribar o adversário, assim também não é menos louvável saber compadecer-se do desgraçado e fazer aos vencidos os benefícios que os vencedores lhe haviam de negar. E não lograram abalar aquela mansidão e benignidade os conselhos menos humanos de outros, os quais julgavam que se deveriam tratar os bárbaros mais duramente. Mas o Conde tinha para si que, entre os estrangeiros, haveria para ele o mínimo de ódio, se mostrasse o máximo de humanidade, virtude cujo nome deriva da própria palavra homem.
Manifestando-lhes a sua benevolência com liberalidade e elevação, também tornou mais evidentes e vivas as simpatias que eles lhe dedicavam. Aos pedidos dos portugueses que reconheciam a nossa autonomia e regiam interesses de sua nação, respondeu Nassau segundo reclamava o bem e a justiça da República e acordemente com a dignidade das Províncias-Unidas.
1) Teriam o seu culto e religião intacta.
2) Isentos de jurar a observância de religião alheia, gozariam de liberdade de consciência, a qual é de direito divino e não humano.
3) O Conde e o Conselho velariam para que nenhum dano sofressem os seus templos, salvo em caso de agressão externa que impusesse a necessidade de muni-Ios e ocupá-los militarmente para a proteção dos cidadãos.
4) Não lhes seria permitido receber do bispo da Baía visitador, pois não deveriam ser chamados, crescendo o domínio holandês, atiçadores de novos motins e instigadores das piores maquinações contra a República Era este um pedido menos prudente daqueles que haviam jurado obediência e fidelidade ao Conde.
5) Não poderiam tão pouco substituir os religiosos falecidos por outros novos, quando as cerimônias do culto pudessem ser celebradas pelos sobreviventes.
6) Não poderiam ser confirmados os privilégios concedidos a eles pelos reis da Espanha, a não ser que constasse claramente o que eram e quais eram.
7) Não poderiam viver, entre um povo inimigo dos espanhóis, segundo as leis e o direito de Portugal, mas segundo as leis imperiais alemãs, as do Império Romano e as vigentes na Holanda, Zelândia e Frísia.
8) Cada um possuiria como seus os prédios de sua propriedade sitos em Olinda, sujeitando-se, porém, aos encargos prediais em igualdade de condições com os holandeses.
9) Em vista das necessidades da guerra e do exaurimento do tesouro, não poderia o clero, naquela conjuntura, ser mantido tido com os dízimos,. e por isso aguardassem oportunidade para solicitarem e obterem aquela concessão.
10) A autoridade pública só restituiria aos seus senhores os escravos fugidos, se a fuga se houvesse dado depois de terem jurado fidelidade aos holandeses. Se, porém, assim não fosse, não poderiam ser restituídos sem suma perfídia e perversidade dos diretores, porquanto haviam prestado proveitoso auxílio à Companhia, não somente nas ocupações da guerra, mas também revelando as terras e esconderijos do inimigo. Era ilícito submetê·-los como vítimas expiatórias, à sevícia e requintados suplícios dos senhores. Demais, tendo sido propriedade de vários, já não poderiam ser entregues aos seus primitivos donos.
11) Aos naturais do país, aos casados e aos adstritos por juramento público conceder-se-ia licença para se armarem de espada contra os assaltos dos negros que dominavam os campos.
12) Assegurar-se-ia, a juízo do Conde e do Conselho, a propriedade das casas, lavouras e prédios a quantos quisessem) com autorização escrita do Conde, voltar para Olinda e para junto dos seus.
13) Sobre assaltos e correrias de soldados nos campos já se havia decidido.
14) Não se poderia conceder perdão de pena, se não constasse especificadamente a que réus e por quais delitos.
15) Portugueses e holandeses estariam em condição idêntica quanto ao paganlento dos direitos alfandegários, tributos e contribuIções em geral.
16) O Conselho Supremo designaria semanalmente dois dias de audiência para se lhes julgarem os litígios.
17) Finalmente, nada seria tão agradável aos diretores da Companhia quanto o florescerem e crescerem, dali por diante e sob a dominação holandesa, a fortuna, a riqueza, o comércio dos portugueses que deram provas de sua fidelidade e obediência. Esta resposta branda e moderada levou os vencidos a formarem opinião mais justa do nosso domínio, falando dele com mais acatamento e obedecendo-lhe de melhor grado.”